Quando se perde a sombra

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008



A humanidade saiu da cama em que estava com sua parceira(o). Pulou do estado explosivo e ofegante do prazer para o pós-orgia. Agora toda superprodução está a nossos pés, mas não sabemos o que fazer. E continuamos produzindo, ou melhor, reproduzindo.
Os terráqueos se tornaram máquinas reprodutoras. Reproduze-se política, sexo, forças produtivas, forças destrutivas, mulheres, crianças, inconscientes, arte. Vive-se na reprodução indefinida de ideais, de fantasmas, de imagens, de sonhos que há tempos ficaram para trás. Caminhamos no vácuo, porque parece, que até aqui, esgotaram-se todas as possibilidades de liberação. Já não há vanguarda artística, sexual nem política com uma possibilidade de crítica radical.

Quer um exemplo prático? Antes da presidência, Lula representava a esperança revolucionaria desta nação. Prefiro não comentar o resultado. Mas e agora? Quem após o fim de seu mandato representa algo, no mínimo, exótico para este país?


Coisas continuam a funcionar ao passo que a idéia delas já desapareceu há muito. E o paradoxo é que elas funcionam melhor ainda. A produção mundial de automóveis, por exemplo. Hoje, não se produz carros para o seu destino – pessoas. A industrialização de veículos está destinada à venda. Não importa se o produto vai ser vendido ou não. O importante é reproduzir. Outro exemplo é o sexo. Alguém aí acredita que a essência do sexo ainda está viva? Eu almejo que sim. Os seres tecnológicos, as máquinas, os clones, as próteses, todos eles estão transformando os seres humanos em protozoários. A evolução(?) sucumbiu o conceito de sexo, de transa, de prazer, de desejo. Todas as tentativas atuais, entre as quais a pesquisa biológica de vanguarda, tende para o aperfeiçoamento do ser assexuado imortal em detrimento do sexuado mortal. Na época da liberação sexual, a palavra de ordem foi “o máximo de sexualidade com o mínimo de reprodução”. Atualmente, o sonho de uma sociedade clônica seria o inverso: o máximo de reprodução com o mínimo possível de sexo. E a AIDS parece ser uma das grandes ferramentas de manutenção desse novo sistema, instaurando a confusão elementar da epidemia.


O sexo não está mais no sexo, mas em toda parte. Assim como o político, que já não está no político, mas infectando todos os domínios. Cada área por assim dizer expande-se no seu mais alto nível e se generaliza, perde sua idéia, sua sombra. Quando tudo é político, nada mais é político, e a palavra já não tem sentido. Quando tudo é sexual, nada mais é sexual, e o sexo perde toda a determinação. Quando tudo é estético, nada mais é belo nem feio, e a própria arte desaparece.


Cecílio Bastos (ou Ricardo)

10 comentários:

Anônimo disse...

A humanidade perdeu sua sombra. Isso foi muito bem esclarecido no seu texto. Fabuloso... Curioso e intrigante.

Anônimo disse...

Me senti muito oca - bem mais que o normal - lendo esse texto =//////

Buá...

Anônimo disse...

O exemplo de Lula foi fantástico... Mas ainda temos o voto nulo nas mãos... VOTE NULO!

Anônimo disse...

Isso tudo é sinistro... Dá calafrios.

Anônimo disse...

A mais nova grande reprodução eu vi essa semana em um jornal: A Arca de Noé da contemporaneidade. Sinistro mesmo! Será que o mundo vai se acabar e isso tá perto e eles não quiseram nos contar?

Cavernoso!!!!

Anônimo disse...

Cara, olhando bem a aids por este ponto de vista temos um novo campo de alcance. Nunca tinha parado pra pensar assim. Tem lógica e ao enxergar isso tudo se torna claro.
Já não se faz sexo como antigamente.

Anônimo disse...

Ricky de Marte, só você pra viajar desse jeito... Muito bom garoto!
Isso é fantástico no mais estilo Baudrilaniano.

Anônimo disse...

O que temos no sexo hoje são aberrações. Já é comum ir pra um motel onde o cenário mais parece o de uma caverna de sexo artificial do que uma relação entre dois seres vivos. Chega perto de uma sala de cirurgia no mais estilo Dr. X. Algema, correntes, próteses, látex, garrafas, frutas...

O mundo tá oco...

Muito bem colocado!

Anônimo disse...

"O sexo não está mais no sexo, mas em toda parte."

Isso é uma grande verdade! O sexo hoje tá desde o papel higiênico até a calabresa que vai pra mesa.

Anônimo disse...

Hilário esse negócio de calabresa que postaram aí em cima. Nem a comédia está mais na comédia, mas em toda parte. Será que foi Chaplin que fez isso?

Esse texto deve ser proibido para leitura descuida. És muito profundo!

Continuem!