TEMPOS

domingo, 27 de abril de 2008

Tempo de descobertas. Naquele ano eu não fui apenas a menina calada que costumava ser. Descobri a saída de meu mundo até então restrito a um punhado de pensamentos e desejos intocados. Tudo por uma revistinha da turma da Mônica que inocentemente se pôs em meu caminho. E o que aconteceu daí em diante minha memória persiste em reacender todos os dias.

Tempo de vida. De vida nova. De compreender que a essência humana não se limita a sentimentos torpes e que em meio à repugnância de atitudes ignóbeis foi possível existir um lugarzinho acolhedor, onde apenas se ria sobre a calçada de cimento cru, embaixo de uma jovem árvore a desafiar o sol juazeirense. E se ria por tudo. Ou por nada. Do quadrúpede que passava sorrateiro pelas ruas amarelas de paralelepípedos quebrados, do silêncio que se fazia intruso nas madrugadas escuras e frias de calor humano, da avó que saía trôpega a reclamar da felicidade por não tê-la conhecido em sua plenitude como via acontecer ali, diante de suas frustrações.

Tempo de novas estradas. Estradas percorridas com os pés descalços sob a teimosa chuva de verão de um dezembro que não quis passar. Estradas eternizadas pelas marcas rápidas de uma Honda Biz azul que sempre chegava aos gritos anunciando a música saída de um violão mal tocado. Sempre os mesmos acordes e o mesmo inglês torto. E ainda assim a magia do lugarzinho seguia intocável, entre pratos de miojo e potes de sorvete com leite condensado, entre palavras ditas sem pudor e gravadas no tronco da árvore.

Tempo de saudade. O lugarzinho continua ali, mas hoje não é mais acolhedor. A rua chora vazia uma saudade que não consegue compreender. As presenças que a povoavam tornaram-se lembranças de um tempo que ficou em mim, que ajudou a me fazer como sou agora. Tempo de eterna saudade cantada na letra de Caetano: “eu marquei demais ‘tou sabendo. Aprontei demais só vendo. Mas agora faz um frio aqui”.
Inês Guimarães

2 comentários:

Anônimo disse...

T_T Cara... eu quase pude ver o referido local...
Adoro textos assim... e vc está se revelando uma grande escritora, Inês.
Espero que vc ainda esteja pensando no seu livro.

Lindo!

Anônimo disse...

inês, parabéns, gostei muito, a sua escrita é muito bonita, lírica, gostosa de ler e trabalha com uma coisa linda: memória...
parabéns aos três pelo blog, legal mesmo. bjos