Texto perfil: Manuca Almeida

terça-feira, 19 de agosto de 2008


De poeta e louco todo mundo tem um pouco


Ator, cantor, compositor, poeta são algumas das palavras que caracterizam as facetas de Emanuel Gama de Souza Almeida. Mais conhecido como Manuca Almeida, artista juazeirense, natural de Aracaju, começou sua história no incrível mundo da poesia, ou como melhor ele define, na loucura.

Filho de paraibano com sergipana, Manuca veio pra Juazeiro/BA e adotou a cidade como sua terra natal. Em 1978 declamava poesias pelas ruas da cidade. “Sou um falso baiano, isso é triste”, admite Manuca, mas fala também que toda sua energia vem da cidade terra de João Gilberto, cantor e compositor, iniciador da Bossa Nova, aclamado por muitos e louco para outros muitos. Com Manuca também aconteceria o mesmo, buscava inspiração na poesia concreta, onde nas loucuras das palavras desse movimento de “idéias abstratas” expressava seus sentimentos. Partindo do ponto concreto do movimento em que a poesia deveria ser um objeto visual, simultaneamente lida e vista, as performances da sua poesia sempre vinham acompanhadas de um jeito expressivo e particular que impunha nas palavras e gestos, causando ao mesmo tempo estranheza para uns e admiração para mais alguns.

Sempre com novas formas de declamar a palavra, juntou-se ao movimento alternativo e marginal dos poetas de rua de Salvador e São Paulo, passando a recitar em praças, bares, ônibus, teatros. Seus poemas são estampados em camisas, bottons, quadros, cartões, calcinhas, sedas.

Poetizando milhares de palavras ao longo de seus 30 anos de carreira , Manuca ultrapassa as barreiras da monotonia da pacata cidade juazeirense e chega aos ouvidos do Brasil e do mundo. Seja na poesia, na produção teatral, na música, na produção de livros ou outras peças midiáticas, ele inventa e voa num mundo de sonhos e realidades, traduzindo sua arte para várias linguagens.

“Eu venho do tempo do mimeógrafo a álcool. Eu sou velho!”, suspira Manuca sobre seu tempo de dedicação a arte das palavras. Mas não é o que diz a sua alma com jeito descontraído, sua roupa poeticamente colorida ou seu colar de boneca de pano. A poesia deve ser mais vivida do que sentida e trinta anos é pouco para as muitas palavras escritas e não ditas ou para as faladas, mas não escritas, ambas registros ou meros devaneios de uma mente louca ou de um simples poeta buscando explanar sobre seus sentimentos, porque como diria um tal poeta ou filósofo, de poeta e louco todo mundo tem um pouco. É só tentar.


Leônidas Vidal

À espera ( ou o que se faz quando o dia acaba sem grandes explicações)

terça-feira, 24 de junho de 2008


Madrugada fria de junho. Prenúncio de inverno disfarçado em insensibilidades. Inverno cinza, com leves tons amarelados do sol que insiste em sair, mesmo por trás das nuvens.

Não se tinha muito a fazer. Mente vazia de fim de domingo, página em branco, música tocando alto para esquecer. Música tocando alto e fazendo lembrar. A voz embargada do cantor não condizia com o estado de espírito que se desejava alcançar. Arrastava-se por uma melodia suave e letra patética. Xícara de café fumegando, tentando aquecer o ambiente. Não queria aceitar, mas esperava por algo. Esperou durante toda a imensidão entorpecente do fim de semana. Espera vã. Não queria aceitar, mas esperava por algo que não veio.

“Temos tendência a acreditar que o trem sempre irá passar e nos levar ao outro lado. O trem, o cavalo branco ou o que for. Mas algo tem que passar e nos levar ao outro lado”.

Falou em voz alta como se quisesse justificar para si mesma as horas de inquietação. Lembrou-se da música americana que dizia algo do tipo “atravesse para o outro lado” e confortou-se com as palavras do poeta morto, que só confirmava seus pensamentos, por mais infundados que parecessem ser.

Era magra, um terço de culpa, dois de sentimentos que não sabia nomear. Alguém assim não poderia ocupar muito espaço. Poucas palavras e uma vastidão a desbravar através do olhar. Olhar de sol poente. Gestos curtos, mas expressivos. Sorriso largo e fácil a enfrentar tempestades. Estava sentada a horas na mesma posição, em uma cadeira sem grande conforto, mas sua. Ignorava o sono e prolongava a espera. “O quanto ainda terei de ver passar até chegar a minha vez de ir adiante?” Não conseguiu ouvir a resposta, abafada pelo silêncio impaciente da noite que se despedia apressada. E continuou sentada, pernas cruzadas, pés descalços a sentir o piso gelado. Pensamento vagando perdido, página ainda em branco... continuava, mesmo sem se dar conta, a esperar.

Inês Guimarães

Sexta-Feira em CRISE

quarta-feira, 28 de maio de 2008


Durante o evento Curta na Uneb, no DCH III, será exibido nessa sexta-feira (30/05) o vídeo CRISE. Uma produção independente e de carater experimental produzido pelos alunos de jornalismo da UNEB, Cecílio Bastos, Leônidas Vidal e Patrícia Telles.

Crise é ambientado no Vale do São Francisco, região de passado extrativista e presente consumista. Dentro de um ambiente decadente e apocalíptico, desenvolve-se o humano borrão, com coreografias que se constroem como fenômenos imaginéticos. Acidentes, falhas e descontinuidades num limite entre realismo cotidiano e surrealismo. Um estágio de alternância, no qual uma vez transcorrido, diferencia-se do que costumava ser.

O curta será exibido no Canto de Tudo, a partir das 18h, antes da exibição dos vídeos produzidos pelos alunos da disciplina Laboratório de Vídeo-Arte, ministrada pela professora Fabíola Moura, responsáveis pela organização da terceira edição do Curta na Uneb.


Assistam e entrem em CRISE!

Sobre ontem e as seqüelas

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Ontem. Dia das mães. Dia triste, no qual as circunstâncias ficaram implícitas na solidão contínua da morosidade costumeira do domingo. Não adiantaria pedir perdão pela minha ausência, porque ela não acontece de fato, apenas projeta-se em meu silêncio de palavras feias. Ontem, mais do que qualquer outro dia das mães, mais do que qualquer outro dia seja qual fosse, senti sua falta. Senti falta de acordar de manhã bem cedo e preparar um café e levá-lo com uma rosa a florescer, e escrever coisas bonitas em um cartão bonito e entregar um presente bonito. Coisas que, se um dia fiz, não me recordo. Senti falta do abraço e da conversa e do sorriso. Falta de estar junto, simplesmente. De estar ao lado e ouvir uma música ou apenas ficar em silêncio, mãos dadas, cúmplices. A saudade nunca gritou tanto, nunca ocupou tantos espaços da casa vazia, nunca sugou tanto as minhas forças. Ontem foi um dia singular, porque senti sua morte outra vez. Não como a sinto todos os dias, mas como senti naquele dia 14 de agosto de 1997, quando insanamente dei voltas pela casa, sem pensar, sem compreender, sem me dar conta do que viria depois. Sentimento em sua mais pura essência, vivo, escorrendo, vibrando, pulsando forte.

O dia das mães já é ontem. Mas o ontem deixou seqüelas. Eu que sempre reclamei atenção agora não consigo ouvir. E eu com isso?, é só o que consigo pensar. Perdi o interesse. Não vejo sentido nas coisas que falam. Será que são as coisas que estão sem sentido? Alguém ri de algo idiota. Iguala-se e não me vê. É ele o idiota? Irrita-me tanta irritação interna. Precisa sair, vulcanizar, extrapolar as fronteiras de mim. Eu não caibo mais em mim. Acho que essa frase não é minha. Mas o que importa? É exatamente isso que foi dito agora. Nada disso tem importância. Tudo vai seguir tortamente o fluxo da vida e acabar de forma brusca em algum quarto podre, escuro e solitário. Danem-se as coisas, danem-se os pensamentos elevados. Eu odeio gente arrogante, gente prepotente, gente áspera. São ressequidos como o solo que levou meu espelho. Tolos, são todos tolos e estúpidos, incapazes de perceber. Por que não me percebe? Não sei o que Jim Morrison pensava quando embriagado cantava “people are strange, when you´re stranger faces look ugly when you´re alone”. Mas a música me reflete, simboliza e incorpora o meu sentir. Pseudo-sentires. Fracos e impessoais. Não entendeu que nada disso me importa mais? Não consegue ver que meus olhos faíscam perante a imutabilidade desse querer saber, ter, dizer que quer e que sabe e que tem?

Sinto-me mais leve. Ou menos pesada. Ou menos cheia de tormento. Ou menos. Ou mais. Ela me irrita. Tudo que o envolve que não esteja ligado a mim me irrita. Contradições. Tépida, cálida. Gosto de palavras proparoxítonas. Elas sempre parecem dizer mais do que realmente dizem. Mãos. Ultimamente tenho atentado-me a elas. Vontade de pegar. De fazer carinho. Simples carinhos. Simples mãos. Simples simples. Tudo meu parece simples. Acho que porque não existe de fato. Impensamentos. Isso existe? O ato de não-pensar engrandece porque nos torna capazes de inviver quando se quer. Ser capaz de não se ser, na hora em que não vale a pena se ser. Precisava disso. De uma tarde dedicada às minhas imprecisões porque elas têm sido muitas. Muitas e cada vez mais imprecisas.
Por Inês Guimarães, sobrevivente de mais um desses domingos

Armas químicas e poemas de amor

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Naquela tarde, só queria que me olhasse
Mas nem eu tive coragem de olhar
Se você conseguia perceber alguma coisa
Queria, então, apenas um beijo
Holocausto em mim
É difícil te esquecer
Por mais que eu tente, as lembranças permanecem aqui
Como cortes em carne viva
Como bomba atômica em constante explosão
Isso tudo dentro de mim, e por causa de você
Parece que estou em uma guerra constante
E tudo isso não cabe mais em mim
Arma química consumindo meu ser
Consumindo o tempo e não vivendo
É tudo em mim, ah cadê você?
Destruindo meu viver
Dando fim ao início de todo esse tormento
Atormentando-me no inicio de meu fim.


Poema feito em mais uma noite construtiva de MSN, por quatro (ou oito) mãos nervosamente tocadas por algo oco. Por Inês Guimarães, Leônidas Vidal, Patrícia Telles e a participação oca e especial de Ludmillie de Castro.



TEMPOS

domingo, 27 de abril de 2008

Tempo de descobertas. Naquele ano eu não fui apenas a menina calada que costumava ser. Descobri a saída de meu mundo até então restrito a um punhado de pensamentos e desejos intocados. Tudo por uma revistinha da turma da Mônica que inocentemente se pôs em meu caminho. E o que aconteceu daí em diante minha memória persiste em reacender todos os dias.

Tempo de vida. De vida nova. De compreender que a essência humana não se limita a sentimentos torpes e que em meio à repugnância de atitudes ignóbeis foi possível existir um lugarzinho acolhedor, onde apenas se ria sobre a calçada de cimento cru, embaixo de uma jovem árvore a desafiar o sol juazeirense. E se ria por tudo. Ou por nada. Do quadrúpede que passava sorrateiro pelas ruas amarelas de paralelepípedos quebrados, do silêncio que se fazia intruso nas madrugadas escuras e frias de calor humano, da avó que saía trôpega a reclamar da felicidade por não tê-la conhecido em sua plenitude como via acontecer ali, diante de suas frustrações.

Tempo de novas estradas. Estradas percorridas com os pés descalços sob a teimosa chuva de verão de um dezembro que não quis passar. Estradas eternizadas pelas marcas rápidas de uma Honda Biz azul que sempre chegava aos gritos anunciando a música saída de um violão mal tocado. Sempre os mesmos acordes e o mesmo inglês torto. E ainda assim a magia do lugarzinho seguia intocável, entre pratos de miojo e potes de sorvete com leite condensado, entre palavras ditas sem pudor e gravadas no tronco da árvore.

Tempo de saudade. O lugarzinho continua ali, mas hoje não é mais acolhedor. A rua chora vazia uma saudade que não consegue compreender. As presenças que a povoavam tornaram-se lembranças de um tempo que ficou em mim, que ajudou a me fazer como sou agora. Tempo de eterna saudade cantada na letra de Caetano: “eu marquei demais ‘tou sabendo. Aprontei demais só vendo. Mas agora faz um frio aqui”.
Inês Guimarães

Apologia ao filho que eu queria ter

quarta-feira, 23 de abril de 2008

A alguém (in)satisfeito com seu rebento

Míseros sonhos despedaçados pelas estradas torpes em que passei. Destruídas todas as pontes, não vejo mais como chegar ao outro lado. Só consigo contemplar o horizonte alheio. A projeção de mim na figura de um homem que conheci há pouco, que se protege com as armas da lei das amarras de meus desejos mal disfarçados.

Menino levado correndo por um campo aberto em dia de chuva. Pés descalços, sujo de lama a esperar ansioso pela chegada do pai. Braços abertos em dia que não tem fim. E a imagem cresceu comigo juntamente com as frustrações que não quis para ele. Menino levado sentado a estudar. Alta patente, gente importante, rolex balançando douradamente no pulso orgulhoso do pai. Como na música de Toquinho e Vinícius, canto o filho que eu queria ter.

Mas de tudo isso o que restou? Sombras de um destino que me legou a felicidade ao mesmo tempo próxima, mas de poder de outro. O filho que eu queria ter não pertence a mim nem me chama de pai quando o telefono para desejar feliz aniversário. E quando retorna à cidade não dorme em minha casa, não come da comida que faço, não me dá o prazer que sentem seus seguranças de estar a todo tempo a seu redor.

E de tudo isso o que restou? A vontade camuflada em atitudes cruéis ou tantas vezes indiferentes que alimento para com o rebento que me sobra. Tento manter o controle, fingir, não admitir para mim mesmo que não existe, senão em outrem, uma parte de mim. Cala-se de novo a voz. Dorme estranhamente de novo tudo. Que tudo vire sonho e que venha a realidade para eu aprender a dominá-la como faço com meu mundo. Tenho tudo, faltam o nada e a esperança.

Por Inês Guimarães - vivendo dias mais ocos ainda

SEM PALAVRAS

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Meu silêncio grita. Grita silencioso a explicar palavras sem explicações. Fala por mim numa verborragia infinda que não se limita a breves impressões, que vai além do que é possível dizer com meras palavras que não sei usar, ou que saem sem sentido numa profusão de asneiras incompreensíveis.

Meu silêncio esbraveja. E quem não o reconhece entre as palavras subtendidas no silêncio velado ignoram uma porção de mim. Talvez eu por vezes o tenha ignorado em seus mais agudos gritos por sentimentos indefinidos, por sentimentos que eu teimo em não reconhecer. Ignorado-o em meus acessos de palavras desnecessárias.

Silêncio. Uma pausa incômoda permeia o ambiente. Dois pontos no ar e nada mais depois. Reticências. O barulhinho da mosca interrompe o manifesto. Atrapalha e grita ao seu modo. Palavras ocas. Asas debatendo-se contra sua existência silenciosa.

E?
Caras de irritação a olhar meu silêncio. Não conseguem chegar ao fim. Desistem diante da mesmice, da falta de, do excesso de. Não tentam. E o silêncio mantém-se a gritar por mim.
Texto de Inês Guimarães, vivendo dias ocos...